Em um país marcado pela violência, pelo preconceito e pelo machismo, Ane Marcelle mostra para o Brasil e para o mundo que o lugar de uma mulher, negra e de origem humilde, é onde ela quiser. Uma atleta destemida, que carrega consigo uma força inabalável e uma determinação que transcende as adversidades que enfrenta. É a primeira arqueira negra brasileira a participar de olimpíadas e foi a única representante da seleção feminina de tiro com arco, nas olimpíadas de Tóquio. Venha conhecer a trajetória, os desafios, as superações e as conquistas da maior arqueira do Brasil.
Tudo começou em 2006, um ano que ficou marcado na história do Rio por uma série de eventos violentos que tiveram um impacto significativo na cidade e na vida da atleta. Na época a jovem morava na Zona Norte do Rio. Por conta da violência e das dificuldades financeiras, a família sonhando com dias melhores, decidiu que viria para a cidade que mudaria para sempre o destino de todos. Maricá foi a primeira grande flechada na vida da Ane.
Sua história no tiro com arco começa ao acaso. Ao buscar o irmão, que praticava o esporte no centro de treinamento da seleção brasileira, acabou acompanhando um pouco do que acontecia ali. Foi amor à primeira vista. Em um bate-papo com a técnica Dirma Miranda descobriu que estavam abrindo vagas para novos praticantes. A jovem não pensou duas vezes, e rapidamente passou de espectadora para atleta. Era a segunda flecha acompanhando o início da sua trajetória vitoriosa. Foi assim, em 2009, com 15 anos, que deu os primeiros passos na modalidade. Não demorou muito para descobrir que levava jeito para o esporte. A paixão e a vontade de evoluir foram certeiras. Daí em diante, o mundo se abriu: Mundial na Polônia em 2010; em 2011, Sul-Americano no Chile; já em 2014, campeã sul-americana, campeã brasileira por equipe, segundo lugar no Brasileiro individual e bronze no Campeonato Pan-Americano, em Rosário, na Argentina.
Em sua vida repleta de conquistas, eis que chega a terceira flecha. Na primeira participação olímpica da vida, durante os Jogos do Rio – 2016, fez história se tornando a primeira arqueira negra brasileira a participar dos Jogos, e mais: conseguiu o melhor resultado olímpico da história do Brasil no tiro com arco. Ainda em 2016, recebeu o Prêmio Brasil Olímpico de melhor atleta do ano.
Foi campeã brasileira na dupla mista no 47º Campeonato Brasileiro e venceu o Pan-Americano, em Monterrey (México) no individual feminino e na dupla mista.
Nas olimpíadas de Tóquio, fui a única representante brasileira no torneio individual feminino de tiro com arco. Hoje, é a única atleta negra entre as 50 do ranking mundial e está entre as top 10 das Américas.
Em entrevista ao Conexão do Povo, Ane Marcelle, falou dos desafios e momentos difíceis:
“Eu passei por muitos momentos difíceis, muitas vezes a minha família economizava na alimentação para poder pagar o aluguel. Na verdade, já ficamos até sem comer. Outro problema que enfrentei foi o preconceito, com a ajuda da minha família pude superar tudo”.
O Tiro com Arco requer muito esforço, controle e foco, um esporte que é para ser acompanhado com silêncio e que cada respiração pode te levar a vitória ou a derrota.
A arqueira destacou para nossa equipe a sua rotina de treinamentos e a importância do psicológico:
“Tenho uma rotina diária de treinos de segunda a sábado e feriados. Por dia, atiro em média 350 flechas, porém, o principal exercício e treinamento é o psicológico. Temos que ter um controle muito forte, qualquer distração ou pensamentos negativos, nos fazem perder o controle do disparo”.
Com o fim das Olimpíadas de 2016, e com o início do ciclo para as Olimpíadas de 2020, que foram remarcadas para 2021 devido à pandemia de Covid-19, a atleta enfrentou vários problemas e desafios durante este período.
Segundo a própria Ane, a primeira parte do ciclo foi bem ruim, pois estava sem técnico e o rendimento foi caindo junto com a motivação. Todavia, a chegada do técnico Jorge Luiz Carrasco foi uma virada de chave, e as coisas começaram a melhorar a partir de 2021, ano da medalha de ouro do Torneio Pré-Olímpico das Américas e a conquista da vaga para as Olimpíadas de Tóquio, sendo a única mulher do país no tiro com arco na competição.
Essa transformação mudou a arqueira que citou sobre amadurecimento:
“Eu amadureci muito! Isso me fez tornar uma mulher de atitude e saber lidar com as dificuldades da vida. No começo, eu não sabia lidar com as dificuldades e pensava logo em desistir, mas o esporte me ensinou a não jogar a toalha”.
Com a atual gestão, a Confederação Brasileira de Tiro com Arco – Brasil Arco – tem proporcionado aos seus atletas, uma estrutura de excelência, levando-os a grandes resultados.
Ane Marcelle, relata que a estrutura envolve uma equipe interdisciplinar de altíssimo nível, com técnicos experientes, psicóloga, fisioterapeuta, massoterapeuta, academia, espaço indoor e uma área de treinamento nos mesmos moldes das grandes confederações mundiais.
Atualmente o foco da arqueira é Paris 2024 – “Estar na seleção brasileira, representar meu país, participar de duas olimpíadas, é uma sensação indescritível. E eu quero poder sentir tudo isto novamente. Meu maior objetivo é conquistar a vaga e a tão sonhada medalha olímpica para o meu esporte e para o Brasil”.